segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Da Faxina à Primeira Classe - Post N. 290

          Em 9 de Junho de 2010 eu escrevi meu primeiro post neste blog. Nessa época eu só estudava na faculdade 3 dias por semana (ô tempo bom!) e ainda não tinha passado por dificuldades nessa terra "abençoada" que é a América. Se você te ve a paciência e curiosidade de ler os 290 posts do blog você me conhece muito bem. Inclusive eu acho tão estranho quando alguém me pára nas ruas ou lojas de Orlando e diz: Renato! Lí seu blog inteiro e depois de algumas palavras trocadas, quando vou contar alguma coisa a pessoa diz "eu sei, eu li no seu blog...". Eu não sei nada sobre a pessoa, mas ela sabe quase tudo sobre mim. Coisas de internet...

          Não muito tempo depois, quando meu dinheiro para a faculdade já estava acabando porém não o curso, fui obrigado a trabalhar informalmente para custear a faculdade e minhas despesas, entre elas, o aluguel da minha mãe no Brasil. Virei motorista, faxineiro, babá, pintor, guia turístico, professor particular entre outras coisas. Foi uma fase difícil pois além de estudar e ter que fazer apresentações, provas, exames e trabalhos complicados, ainda tinha que ganhar dinheiro para poder continuar nos EUA. E o trabalho, na maioria das vezes era braçal e exigia muita humildade. Não pelo trabalho em si, pois qualquer trabalho é trabalho e deve ser honrado, desde que seja executado com honestidade. Fica difícil quando você é explorado por um conterrâneo e, acredite, é o que mais tem. 


Remoção de Papel de Paredes em 2011

          Por falta de documentos e possibilidade de trabalhar em algo que não seja trabalho informal, brasileiros se sujeitam a longas horas de trabalho e muitas vezes exploração e humilhações. Talvez alguém possa não acreditar, mas eu gosto de limpar casa, lavar roupa, etc. Desde pequeno, minha mãe colocava nós, quatro irmãos para limpar e faxinar nossa casa. Então desde pequeno aprendi, graças à minha mãe, o valor de um trabalho bem feito e o bem estar de viver em uma casa limpa (no caso da minha mãe, quase esterilizada). Nunca me importei em limpar uma casa, mas quando o patrão ou a patroa "manda" não pede e exige de você coisas que normalmente não são praticadas e fala com você como se você fosse inferior, como se eles tivessem sangue azul e você pertencesse à plebe (mesmo sabendo que você possui mais títulos de universidade do que ele) você não se sente bem de maneira nenhuma. Alguns vão ao extremo de ameaçar entregar a pessoa para a imigração. 
          
A Situação Mudou

           Graças a muito trabalho e também ao blog eu comecei a executar alguns projetos já no último ano da faculdade na área de design e decoração para, principalmente, brasileiros que acreditaram em mim e no meu potencial. Na época não existia empresas de design e decoração em Orlando que pertencessem à brasileiros ou que tivesse pessoas que falassem português com os clientes. Hoje é muito diferente, existem várias empresas de brasileiros em vários segmentos em Orlando e região. Corretores de imóveis e administradoras de casas de veraneio então nem se fala. 

          Antes de a faculdade acabar eu já tinha me casado e legalizado minha situação. O tão sonhado greencard chegou e a vida ficou bem mais fácil. Após a formatura tentei emprego em empresas de arquitetura e design sem sucesso. Fui a diversas entrevistas mas sempre pude notar por parte das pessoas que seriam meus superiores, um pouco de receio por eu ser "over qualified" (qualificado demais). Contratar uma pessoa super qualificada pode implicar na perda do próprio emprego no futuro. Na mais conceituada empresa de Design de Orlando e talvez do País, o salário de 30 mil dólares ao ano e trabalho das 8:00 da manhã até sabe Deus que hora realmente desanimou. Mesmo assim estava disposto a pôr os pés dentro da empresa. Da mesma maneira que as outras entrevistas, no final não resultou em nada.

          Quando as portas se fecham só resta mesmo desbravar o desconhecido. Abri minhas empresas e comecei a tentar trabalhar como autônomo em projetos e ao mesmo tempo obtive a lincença para trabalhar como corretor de imóveis e daí, a vida mudou completamente. 

           Em 2013 o mercado imobiliário para brasileiros em Orlando estava no clímax. Os brasileiros gozavam de uma excelente economia, dinheiro abundante e estavam comprando em Orlando como loucos. Em 2014 eu vendi 30 imóveis e reformei e decorei pelo menos 10 outras. Havia muito dinheiro na conta corrente mas não havia tempo nem energias para gastá-lo. Eu trabalhei em 2014 de domingo a domingo o ano inteiro. Mas eu sabia que depois da Copa do Mundo os brasileiros iriam desaparecer. Em reuniões na corretora eu sempre dizia aos colegas: "Guarde seu dinheiro pois vamos passar por uma fase difícil". E não deu outra, após a Copa a situação do Brasil foi ladeira abaixo e os cliente desapareceram. Quase um ano se passou sem nenhuma venda sequer e sem trabalhos em design e decoração. Quem guardou seu dinheiro pôde esperar (como eu). Quem não guardou saiu vendendo carros, outras coisas e para muitos, a única saída foi trabalhar para o Uber. 

            Enquanto os clientes não vinham e a situação do Brasil não melhorava eu aproveitei para colocar a vida em ordem e viajar um pouco. Em 2015 foi a primeira vez que eu viajei em uma primeira classe e fiquei hospedado em um hotel 5 estrelas de verdade. Desses que a diária custa 1000 dólares. E olha, vou te dizer, foi uma vez só. O quarto custa 5 vezes mais, mas a experiência não é 5 vezes melhor. Talvez 1,5 melhor. O Champagne, menu e cadeiras mais largas do avião são muito bons, mas também não valem o dobro do preço que se paga por eles. Neste sentido eu sou um pouco de esquerda. Acho que todos deveriam viajar igual, sem primeira e última classes. Discordo também dos passes especiais, sem filas, quando se paga um adicional nos parques temáticos. Neste sentido, eu acho que só deveria passar na frente quem tem necessidades especiais. Quer conforto? Fique em casa. 

          Se até o Silvio Santos viaja de classe econômica, porque eu tenho que viajar de primeira classe? Embora se eu tivesse 1 bilhão de reais, preferiria ir dormindo em uma cama em uma viagem de 8 horas dentro de um avião. Mas cada um é cada um e eu não julgo quem gosta de viajar de primeira classe. Porém, use o dinheiro com sabedoria pois ele ACABA.

          E aqui nos EUA não se precisa muito para se viver muito bem. Logicamente você pode gastar milhões de dólares se quiser. Ganhadores da loteria em sua maioria gastam a fortuna em menos de 10 anos. Por isso é preciso saber diferenciar o que quer do que realmente precisa e alguns compram e montam suas casas para impressionar outros, não é o meu caso. Meus designs são magníficos (modéstia parte), mas a minha casa é bem simples, porém aconchegante. Olha essa história que vou contar. 

            Quando peguei meu primeiro BIG cheque de uma comissão eu pensei em fazer algo que nunca pude. Ir ao shopping e comprar o que quer que eu gostasse. Saí em um "shopping spree" (que seria um ataque de compras). Mas também não sou idiota. Eu poderia ter gasto o cheque inteiro de 60 mil dólares na Louis Vuitton, Michael Kors e outras lojas, mas não. Não tenho essas ambições. No entanto, parei de comprar quando não cabia mais nenhuma sacola sequer no Audi Q7 com os bancos abaixados. A última sacola teve que ser socada dentro do carro. Quando cheguei em casa e recolhi todas as notas de tudo o que comprei eu pensei que a soma daria entre 10 e 15 mil dólares pois nem preços eu olhei. Eu queria uma experiência assim irresponsável. Gastar o dinheiro como se tivesse uma galinha dos ovos de ouro no quintal que botasse um ovo 24 quilates por dia. Para minha surpresa as notas, todas somadas, deram um total de 1,850.00 dólares. 

             O rapaz (já nos seus 40 e tantos anos) que fazia limpeza agora voava de primeira classe, dirigia um Audi Q7 e comprou de uma só vez, 12 pares de sapatos, 10 calças jeans, relógios, etc ou seja, um carro inteiro. A conta bancária continuava gorda, mas foi só essa vez. Estamos em 2018 e ainda tenho a maioria dos sapatos, casacos, calças etc. Quando se vive aqui e as coisas estão ao alcance, perde-se a vontade de tê-las. Raramente quando vou ao shopping (ano passado eu fui 2 vezes) eu entro nas lojas, vejo uma promoção de calças jeans Abercrombie por 20 dólares e pego uma. Chego em casa e vejo no closet que ainda tem pelo menos 15 e me pergunto porque comprei mais uma, mesmo custando 20 dólares. Eu viajo na classe econômica mesmo. Moro na mesma casa desde que cheguei aos EUA que hoje, graças à Deus, pude comprar do meu ex-marido. Dirijo o mesmo carro desde 2013 e estou muito satisfeito. Os clientes gostam muito do Q7 com wi-fi embutido.

            Em muitos sentidos eu posso dizer que eu conquistei o American Dream. Mas o American Dream significa coisas diferentes para diferentes pessoas. O meu American Dream constitui-se de ter documentos, trabalho e uma casa para morar em um lugar organizado e com segurança. Ajudar a quem precisa, pois isso me faz feliz. Inclusive a quem podia e não me ajudou quando precisei. 

            Eu também passei por momentos difíceis, um divórcio complicado, a morte inesperada da minha mãe no Brasil e muitas outras coisas. Mas enquanto Deus permitir, continuo trabalhando, pagando as minhas contas e cuidando dos meus, meus cachorros, minha família e meus amigos. Se eu tivesse que dar um conselho a quem pensa em sair do Brasil e tentar a vida em outro país o conselho seria: Planeje muito bem, esteja disposto a fazer coisas que nunca fez, porém nunca esqueça suas origens e do que importa realmente na vida que são os valores morais, espirituais, a família e os amigos. E se sobrar, compartilhe e ajude a quem precisa. Use o dinheiro com sabedoria, não reclame e olhe sempre para o futuro. Lembre-se que desta vida nada se leva. Dê mais valor às relações do que ao dinheiro. Trabalhe duro e o resto será consequência. Tenha medo pois junto ao medo há a responsabilidade mas não deixe de arriscar. Separe muito bem o que deseja do que o que realmente precisa e medite no que realmente te faz feliz. E seja feliz, aonde quer que seja. 

Abraços a todos!


Prêmio recebido pela Park Square como
Top Producer 2017


               

          
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