terça-feira, 5 de abril de 2022

Você Tem Espírito de Imigrante?

         

        Esta semana alguns acontecimentos relacionados a pessoas que mudaram para Orlando me fez pensar muito sobre o assunto imigração. Imigrar pode ser difícil dependendo da situação financeira do indivíduo ou da família. Para alguns, no entanto pode não passar de uma mudança. Estamos falando de pessoas com um excelente poder aquisitivo que resolvem ir morar em outro lugar. Por exemplo, quando o Trump ganhou as eleições vários artistas milionários resolveram deixar o país, A cantora Madonna foi uma delas que se mudou para Portugal com a "corte" e ficou lá até que os democratas retomassem o poder. Isso é considerado imigração? Alguém talvez diga que não. Por isso é apropriado saber o real significado da palavra imigração.

       A definição de imigração, segundo o dicionário do próprio Google, é: "Entrada de indivíduo (...) estrangeiro em determinado país, para tratabalhar e/ou para fixar residência, permanente ou não." Se esta é a real definição do termo, então a Madonna realmente imigrou para Portugal assim como também os outros artistas que deixaram o país em sinal de protesto. 

Madonna se mudou para um palácio no centro de
Lisboa

          Mas não é desse tipo de imigrante que eu gostaria de falar. Estamos falando daqueles indivíduos que, cansados do lugar onde vivem, desejam tentar a vida em um outro país. E isso pode se dar por diversos motivos. Para obter melhores condições de vida, para fugir da pobreza, violência ou perseguição política. E ainda aqueles que imigram pois encontraram sua cara metade em um país distante. Para esses, imigração é totalmente diferente da situação dos milionários que foram passar uma temporada no exterior. E nem precisamos ir muito longe. Em Orlando mesmo tem os dois tipos. Eu até diria que há 3 categorias. Os que vieram com alto poder aquisitivo, se instalaram na cidade e conseguem reproduzir o padrão de vida que tinham no Brasil. O meio termo, ou seja, pessoas com algum poder aquisitivo, suficiente para poder contratar um advogado e iniciar o processo de imigração, mas que também precisam trabalhar para se sustentar. Muitos destes, operam seus negócios no Brasil, vivendo nos EUA e trazendo os recuros para cá. E por último, os que estão em busca de uma vida melhor e que não possuem condições financeiras para levar, de imediato, a vida que aspiram. Vamos nos concentrar nesse último grupo. E eu me encaixo exatamente nele. Mas de onde veio essa vontade de mudar de país?

Muitos imigram para fugir da pobreza e
das condições de vida

           Tudo começa com a insatisfação com o lugar onde se vive. Insatisfação com o país, com a política, injustiça, condições de trabalho e as dificuldades do dia a dia. Aliado a isso há o que as pessoas assistem na televisão, nas séries e nos filmes de Hollywood. Talvez viagens a outros países fizeram com que a pessoa tivesse o desejo de sair do país onde se vive. Experiências de amigos e parentes que se foram e conseguiram uma vida melhor também pode ser fonte de incentivo neste sentido. A pessoa começa a considerar a saída do lugar aonde se vive e a vida que teria nesse ou naquele país se pudesse imigrar. E os sonhos começam aparecer. Até que um dia vem a decisão de mudar, de imigrar. E eu posso até dizer que essa é uma descrição perfeita do que aconteceu no meu caso.

           Em 2008, depois de uma viagem com amigos para a Flórida eu voltei decido a sair do Brasil e tentar uma vida melhor em outro lugar. Eu já havia visitado vários países da Europa então o leque era aberto com relação aos países que eu gostaria de morar. Porém há sempre o problema da documentação. Não se pode simplesmente arrumar as malas e ir para o aeroporto internacional. É preciso pesquisar as leis dos países e a possibilidade de imigrar legalmente ou não. Ou mesmo se há a possibilidade de se documentar, quanto tempo levaria e quais os requisitos para se qualificar. Tudo isto deve ser pesquisado ANTES de se sair do país. 



            E porque eu escolhi os EUA? Na época, a crise americana facilitou as coisas para quem queria imigrar. O dólar desvalorizado fazia com que o nosso dinheiro valesse um pouco mais. A crise baixou os requisitos necessários para a entrada em faculdades e universidades. Considerei também a Inglaterra mas o custo seria multiplicado por cinco. Porém, fui muito criticado já mesmo no Brasil. Um indivíduo até me chamou de "traidor da pátria". Estava fazendo algo errado? Na minha opinião era mais um caso de amor não correspondido. Eu sentia que amava o Brasil mas o Brasil não me amava. No final das contas, o amor próprio foi o que me fez decidir pela mudança. 

          Nossos avós fizeram a mesma coisa, porém foram muito mais corajosos que nós. Eles vieram mesmo para o desconhecido sem saber o que esperar. Não havia internet, aviões, televisão então era mesmo a promessa de uma vida melhor. Eles sim arrumaram as malas e foram para o porto pegar o navio em direção ao novo mundo. Alguns se deram muito bem outros nem tanto. 

Nossos avós e bisavós cruzaram o oceano em 
direção ao novo mundo

           É aí que entra o espírito de imigrante como eu vejo. Esse tipo de imigrante não espera chegar e ficar bem imediatamente. Sabe que tem uma escada longa a escalar. Um caminho de pedras extenso a trilhar até chegar ao destino esperado. Ele não se incomoda e não tem vergonha de excutar trabalhos braçais, sujos e jornadas longas de trabalho. Ele trabalha também nos finais de semana, na maioria das vezes sem férias, décimo terceiro e fundo de garantia. Ele olha para frente e não reclama, nem tem pena de si mesmo ou de sua sorte na vida. É passageiro. Ele não fica indignado comparando o que ganha com as coisas do patrão. Ele tem "paciência". Sabe que as coisas não acontecem de um dia para o outro. Ele faz a parte dele e espera. Ele planta todos os dias e sabe que a colheita está no futuro, não no mês que vem. Seus olhos se fixam, não nas coisas atuais, mas sim nas coisas à frente.



           As histórias de sucesso, e posso considerar a minha como uma delas, não aconteceram da noite para o dia. São anos de trabalho, de espera em meio a  muitas tentativas. A cada erro e decepção, tem-se que procurar uma outra saída e assim se dá ano após ano até que a pessoa encontra seu caminho. Uma profissão, um emprego, uma empresa que vai proporcinar aquilo que ela sonhou. Quantos de nós temos um diploma (ou 2), uma profissão e um bom emprego, mas mesmo assim viemos aqui limpar, pintar, dirigir, manobrar, servir, cuidar, etc? É desse imigrante que eu estou falando. E há inúmeras histórias, filmes, séries, livros que falam deles. 

           Nesses 12 anos que eu vivo nos EUA já vi muitos virem e voltarem. Outros porém ficaram. A corrida não é de velocidade e não é para todos. É uma maratona de resistência. Muitos já no começo se esquecem da vida que levavam, das dificuldades que passavam e já começam a reclamar. Reclamar das mesmas coisas que reclamavam no país de origem ou de coisas novas também. Muitos sentem muita falta da família e dos amigos e não suportam ficar aqui sozinhos. Lembram dos finais de semana com parentes e amigos. Aqui só o que se faz é trabalhar. Ficam tristes e depressivos. Leva tempo para construir amizades verdadeiras ou mesmo uma família. Por esse motivo acabam voltando pois sua mente não está mais fixa no futuro mas para as coisas deixadas atrás. Esquecem dos motivos que os fizeram sair e não aguentam a situação atual e a angústia do incerto. Também não dão mais valor para as coisas que já têm, só pensam nas coisas que deixaram e nas coisas que não têm.

           A sociedade brasileira está muito preocupada com as aparências e discrimina trabalhos mais simples. Alguns, com diploma universitário, têm vergonha de dizer à família e amigos que realizam trabalhos simples como limpeza e construção, por exemplo. Mesmo que estes trabalhos paguem muito mais do que ganhavam no Brasil e lhes tenha proporcionado coisas que nunca tiveram no país de origem. Porém, não lhes dá o status, que é algo tão valorizado no Brasil. 

A realidade pode ser muito diferente da vida
que a pessoa posta nas redes sociais...

            A maioria dos que tenho visto ultimamente não fizeram uma pesquisa extensa. Vieram na cara e na coragem, ou seguindo as orientações de pessoas a quem "perguntaram". Sem dinheiro suficiente, sem experiência, sem conhecimento do que encontrar, se vêm em maus lençóis. E hoje isso é quase imperdoável pois tudo está alí na internet em blogs e websites. É preciso tempo e esforço para ler centenas de páginas e fazer um planejamento detalhado sobre tudo.

        Estes não têm um plano, não fizeram pesquisa e uma detalhada programação. Nesse caso, a volta é quase certa pois a despreparação causa muitos problemas e desconfortos. E a realidade acaba se mostrando muito diferente do sonho que a pessoa tinha. Aqui por exemplo, não existe final de semana assalariado para imigrante. Você ganha o dia em que trabalha e o dia que fica em casa, não ganha absolutamente nada. Mesmo que esteja doente. Até mesmo quem é documentado e trabalha em empresas tem somente alguns dias que pode ficar em casa recebendo. Depois de usados esses dias a pessoa pode ficar em casa, porém é descontado do salário. Um terço de férias, décimo terceiro e fundo de garantia não existe nos EUA. 

            Quando eu sou abordado por brasileiros que desejam se mudar para os EUA a primeira coisa que eu respondo é que é fundamental a pesquisa e programação. Por pelo menos um ano a pessoa deve ler e pesquisar tudo o que puder. Não é sair perguntando em grupos pois as respostas e opiniões pessoais não são confiáveis. Tem que se coletar informações, guardá-las em uma pasta até que fique da grossura de um livro. Depois é preciso economizar e vir com pelo menos 6 meses de recursos para sem manter. Tudo aqui é mais barato do que é no Brasil, é verdade. Mas o aluguel barato + água e luz baratos + o telefone barato + o carro barato + a gasolina barata + seguro barato + a comida barata + remédios baratos + internet e TV baratos chegam a um valor que um emprego "de entrada" não paga suficiente para dar conta de todas as despesas baratas. E pode levar alguns meses para se achar o emprego que não explore "demais" (pois todos exploram) e subir um ou dois degraus da escada para poder arcar com todas essas despesas. Os despreparados se vêm em má situação rapidamente e saem pedindo ajuda aos "conterrâneos". E sabe o que a maioria dos conterrâneos fazem? Se afastam de pessoas assim pois sabem que vai dar problema. Infelizmente é assim. E há aqueles que te pedem dinheiro, porém quando você oferece um emprego eles "não podem". 



            O "espírito de imigrante" ajuda muito nessas situações. O indivíduo se conforma com condições de vida menores do que a que levava pois sabe que é temporário. Aí gasta menos, muito menos. E com muito trabalho ela consegue passar pelo choque inicial e levar a vida. E mês após mês, ano após ano, ele melhora. E talvez em alguns anos já está totalmente estabelecido, com uma casa, apartamento, alugado ou comprado, carro, emprego, filhos na escola e tudo o mais. Sempre de olho em outras oportunidades sempre procurando o seu caminho. E vence...mas demora. 

           Estamos falando de coisas materiais? Sim, obviamente, mas não somente isso. Estamos falando também de educação, de oportunidades, de felicidade em família, de saúde e principalmente de segurança. Quando o imigrante adquire essas coisas, pode se dizer que imigrou com sucesso. E provalmente vai ficar por muito tempo, na maioria das vezes a vida toda, pois conseguiu alcançar a qualidade de vida sonhados. Essa qualidade que envolve todas as coisas citadas, não somente bens materiais. A qualidade de vida que ele não conseguia ter no país de origem por diversos motivos. E essa história ele vai contar a seus filhos, que contarão a seus netos e lá na frente alguém vai dizer "quando meus avós emigraram do Brasil..." 

          Por último é preciso salientar que a vida pode ser muito, mas muito melhor do que a que se vivia no país de origem. Porém sempre haverá o sentimento de não pertencer. Por mais que nos sintamos em casa, seremos, pro resto de nossas vidas, imigrantes e sentiremos saudades de coisas da nossa infância e adolescência. Saudades de coisas que nem existem mais. Que nem poderiam ser reproduzidas se voltássemos, pois a vida mudou, as pessoas também mudaram e tudo hoje é diferente do que era no passado. E não há nada que se possa fazer a esse respeito a não ser visitar esse passado de vez em quando e, em vez de chorar porque ele não exite mais, sorrir porque ele aconteceu. Cheio de gratidão por ter essa memória, concentrar-se no presente e no futuro. 



           
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